quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Rumo à Rússia

Estou de malas prontas para a Rússia, onde vou visitar Moscou e São Petersburgo. A boa notícia é que a temperatura subiu nos últimos dias: passou de 22 negativos para zero. Praticamente verão para os russos!

Com essa viagem, vou fechar com chave de ouro um ano incrível, em que aceitei essa missão complexa que é viver no Paquistão. Tenho aprendido a cada dia, não só no trabalho, mas na rotina da casa, nos restaurantes, nos espaços mais simples. O Natal, por exemplo, me mostrou que, embora a violência sectária contra as minorias religiosas (xiitas e cristãos em especial) seja uma dura realidade do país, com atentados regulares contra essas populações, os muçulmanos com quem convivo diariamente não apenas respeitam a data como mostraram-se muito interessados na comemoração. Ganhei presente até dos guardinhas aqui de casa, com um bilhetinho de "Merry Christmas".

Uma coisa que aprendi também nesses sete meses aqui é não subestimar as diferanças culturais. O fato é que as diferenças entre o Paquistão (e outros países asiáticos) e o mundo ocidental são brutais, são importantes e não são apenas "estereótipos criados pela imprensa ocidental". Aqui há uma lógica totalmente diferente de compreender o mundo, em especial no tocante à família, ao papel dos indivíduos dentro da família e à questão da honra. A "família extendida" (ou seja, não só pais e irmãos, mas primos, tios, avós, sogros, etc) é o núcleo da sociedade paquistanesa. É por isso, por exemplo, que as casas aqui em Islamabade e em outras partes do país são tão gigantescas, com cinco ou seis quartos, quatro andares, mais de uma cozinha. As famílias vivem todas juntas: a mulher ao se casar passará a morar com a família do marido, com sogros e cunhados. É raríssimo que um filho (uma filha, então, nem se fala) passe a morar sozinho. Não tenho um número certo, mas acredito que cerca de 90% dos casamentos são arranjados e boa parte desses casamento envolve primos de primeiro grau, fato que é encarado com normalidade pelos paquistaneses.

Recentemente terminei a leitura de "Pakistan - A Hard Country", de autoria de Anatol Lieven, que traça um panorama da história do Paquistão e dos povos que aqui estão. Recomendo muito e acredito que seja possível achar com facilidade esse livro no Brasil. Para mim, foi muito interessante aprofundar as minhas percepções e começar a entender melhor como o país funciona. Comecei a compreender porque, por exemplo, a corrupção é tão disseminada por aqui: como a família é o centro da sociedade, é mais importante defender a honra dos familiares do que obedecer a leis, especialmente se essas leis tenham sido importadas a partir do colonialismo britânico, sem levar em consideração as tradições locais. Assim, nada mais natural do que mentir para as autoridades policiais para salvar a pele do irmão ou distribuir cargos entre os parentes quando se chega ao topo do poder. Ou ainda recorrer às jirgas (assembleias de anciãos) para definir uma disputa territorial que já ameaça a vida da família. As decisões são rápidas e aceitas pelas duas partes envolvidas, mas podem levar a práticas odiosas, como aquela relativamente comum de entregar uma menina da família para outra família para reparar um crime cometido por um dos filhos homens.

Para Lieven, o Paquistão não é um Estado falido como aqueles da Somália ou do Congo (e quem visita Islamabade certamente concordará com essa conclusão). Paradoxalmente, no entanto, o conservadorismo da população impede a modernização do país ao mesmo tempo em que serve de obstáculo para que haja uma revolução radical como a sonhada pelo Talibã paquistanês, por exemplo. As estruturas que geram pobreza ao mesmo tempo impedem que boa parte da população seja ainda mais pobre e miserável. A prática da caridade é um dos pilares do Islamismo, e isso é, de fato, seguido pela maioria da população.

Enfim, um pouquinho de Paquistão para fechar o ano! E agora rumo à terra dos Czares e bolcheviques!



segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Taxila e Feliz Natal

Fazia tempo que eu não atualizava o blog, mas não tinha acontecido nada de muito interessante por aqui. Ontem finalmente eu fui até Taxila, que fica a uns 45 minutos de Islamabade e é um dos sítios arqueólogicos mais importantes do Paquistão. Lá estão vestígios da civilização Gandhara, que há mais de dois mil anos habitou o Vale de Peshawar, entre os rios Cabul e Indo, regiões onde hoje estão as cidades de Peshawar, Islamabade e Rawalpindi. Taxila era um centro budista de grande importância até o século II e é considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1980.

Foi uma experiência muito interessante principalmente pelo bom estado do Museu de Taxila, que contém muitas relíquias budistas, e pelas ruínas das antigas citadelas. Desde a fundação do Paquistão como República Islâmica, em 1956, o passado budista das civilizações que habitaram o Vale do Rio Indo (que, ao contrário do que se possa imaginar, passa pelo coração do território paquistanês, e não pela Índia atual, até desaguar no Oceano Índico) vem sendo sistematicamente deixado de lado na comparação com a cultura islâmica do Império Mughal, que dominou a região que hoje é o Paquistão, a Índia e Bangladesh até a chegada dos britânicos. O Museu de Lahore, por exemplo, que tem uma colegação impressionante de relíquias budistas (incluindo uma famosa estátua do Buda em jejum) estava em estado deprimente quando visitei a cidade em julho deste ano. Apesar da coleção incrível, o museu estava simplesmente jogado às moscas, e esta ainda é  uma das experiências mais tristes que tive desde que cheguei ao Paquistão.

Mas, enfim, Taxila:






Aproveito para desejar um Feliz Natal a todos os leitores do blog!

Volto depois do Natal para contar um pouco como será a minha viagem de Ano Novo a Moscou, que, neste exato momento, registra agradáveis -21C...

segunda-feira, 19 de novembro de 2012

Caminhada nas montanhas

No sábado, dia 17, fiz um passeio diferente aqui em Islamabade: uma caminhada nas montanhas paquistanesas. O norte do país é extremamente montanhoso e aqui perto de Islamabade já se vê algumas montanhas, como a de Nathiagali, onde estive em julho. Dessa vez, fui até Ghora Gali, que fica a mais ou menos uma hora da capital. Lá, fiz uma caminhada de nada menos que 27 quilômetros em 8 horas. A trilha, no meios das montanhas, passando por diversos vilarejos, era tranquila. O mais difícil mesmo foi andar 8 horas com apenas uma parada de 20 minutos para o almoço.

Mas valeu a pena! O lugar é lindo (o norte do Paquistão, região que pretendo explorar mais no ano que vem, é lindíssimo, com potencial turístico enorme, mas, infelizmente, não explorado por razões de segurança), e a experiência foi muito bacana. Do alto da montanha já dava para ver a província de KPK, uma das quatro que compõem o Paquistão. É na província de KPK que fica o Vale do Swat, onde mora a menina Malala (baleada pelo Talibã). Essa região de Swat é descrita como a Suíça da Ásia, pelos montes cobertos de neve e pela vegetação de pinheiros. Por razões de segurança, no entanto, Swat, em especial, é de difícilimo acesso a estrangeiros.

Em Ghora Gali, fomos muito bem recebidos, em especial pelas crianças, mas vale notar que praticamente não se vê mulheres jovens na rua. O que se vê são crianças com menos de 10 anos, homens de todas as idades e mulheres mais velhas. As mulheres mais novas provavelmente estão relegadas ao domínio da casa.

Achei incrível que mesmo no topo das montanhas o celular funcionou perfeitamente, tanto para chamadas quanto para acesso à internet. Isso deve ter alguma relação com os militares já que essa região é caminho para a Caxemira paquistanesa e os territórios disputados com a Índia. Aí, tanto a infra-estrutura para comunicações quanto as estradas são de boa qualidade.






segunda-feira, 12 de novembro de 2012

Tóquio & Monte Fuji

Estou de volta a Islamabade. A viagem à Tóquio foi incrível! Adorei. Tóquio é imensa, claro, e linda. Lá aproveitei para curtir o lado urbano da viagem: fui a museus, cinema, lojas, andei muito na rua, me aventurei mais com a comida japonesa. O tempo estava ótimo e a temperatura perfeita (entre 12 e 18 graus). Embora poucos japoneses falem inglês, foi muito fácil me movimentar na cidade e me comunicar com as pessoas.

O ponto alto com certeza foi o passeio ao Monte Fuji, que fica mais ou menos a uma hora de carro do centro de Tóquio. O dia estava especialmente belo e consegui tirar muitas fotos muito legais. O Monte é dividido em dez estações. A escalada até a décima e última estação (3.300m) só é possível nos meses de julho e agosto. No resto do ano, só é possível ir até a quinta estação, a 2.300m de altitude (tem que ir de carro). Lá estava uns 5 graus, e a visibilidade era incrível.

A região onde fica o Monte Fuji é muito bonita, muito montanhosa e com densa floresta de pinheiros. O colorido do outono é espetacular. Infelizmente, o passeio foi bem corrido e não deu para aproveitar tanto a região, especialmente a cidade de Hakone, região vulcânica com águas termais.

Em Tóquio, fiquei hospedada no bairro de Shibuya, que é belíssimo, cheio de lojas de marcas e restaurantes lindos. Adorei passear por lá e tinha muita coisa para ver, não vi nem um décimo. Fiquei impressionada com a beleza da arquitetura dos lugares, tudo muito moderno e clean, de muito bom gosto.

Eu moraria em Tóquio sem grandes questionamentos. Acho que o Japão tem todas as qualidades da Ásia com as coisas boas do Ocidente. O problema é que a cidade é de fato muito cara (um almoço simples não sai por menos de 20 doláres) e a questão do espaço é realmente complicada. Tirando as grandes avenidas, as ruas são minúsculas, com espaço para apenas um carro, sem calçada. As casas não têm jardim, a porta está praticamente na rua. Na viagem de Kyoto à Tóquio, uns 360km, só vi cidade atrás de cidade, as casas empilhadas umas em cima das outras. 

Melhor do que palavras, fotos:


Monte Fuji do ônibus do tour

Vista do centro de visitantes

Quinta estação. Tava frio!!!

Mãe e filha a caráter no templo Meiji Jingu

Casamento tradicional xintoísta no templo Menji Jingu

Cruzamento de Shibuya, que aparece no filme Encontros e Desencontros (Lost in Translation)

Templo Sensoji



sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Desvendando Kyoto

Sempre me perguntam, com certo espanto, se eu gosto de viajar sozinha. A verdade é que acho libertador viajar sozinha. É um desafio bom, que estimula e te faz ir pra frente. Eu gosto também de passar vários dias na mesma cidade. É por isso que escolhi ficar cinco dias em Kyoto e mais cinco em Tóquio durante a minha estada no Japão. Assim dá para conhecer o lugar andando sem planos óbvios depois que você já conseguiu se achar na cidade, e isso demora alguns dias. É o que eu mais gosto de fazer, ainda mais agora que praticamente não ando na rua no Paquistão. Minha rotina aqui tem sido sair do hotel no meio da manhã, andar o dia todo e só voltar de noite. Como escurece às 17h e o comércio fecha às 20h, fico sem muitas opções depois desse horário. Ontem resolvi me aventurar em um restaurante de comida local e a coisa foi meio esquisita. O menu em inglês na verdade tinha vários pratos com nomes iguais e preços diferentes. Escolhi um qualquer e veio um prato de noodles e um segundo prato com uma sopa vermelha que parecia ser pura pimenta, um ovo cozido boiando e pedaços de porco (não dava para chamar de carne de porco, era gordura de porco mesmo). Até que não estava tão apimentado quanto parecia inicialmente, mas dei vexame com os chopsticks e o garçom me trouxe um garfo...

Ontem, aliás, fui até Nara, cidadezinha que foi capital do Japão entre 710 e 784. Lá visitei o Nara National Park, onde está o templo budista Todaji, que, dizem, é a maior estrutura de madeira no mundo. No parque, vivem dezenas de veados selvagens que andam soltos entre os visitantes e às vezes atacam as pessoas para roubar comida. São um show à parte. 



Depois de Nara, peguei um trem de volta a Kyoto e parei na estação de Inari para visitar o templo xintoísta de mesmo nome (Fushimi Inari Shrine). Foi impressionante. Os templos xintoístas têm esses portões na cor laranja, chamados Tori, que marcam a passagem do mundo físico para o espiritual, e esse templo em especial tem um caminho composto de centenas desses portões. É lindo. 




Hoje aproveitei o dia (estava meio chovendo) para andar pelas ruas de Kyoto. A cidade tem várias ruas cobertas de comércio para pedestres (Teramachi). Tem de tudo, até loja exclusiva de bengalas. Uma dessas ruas é um mercado de alimentos, o Nishiki Market, e lá vi muita coisa difícil de identificar. Foi bem divertido.


Terminei o dia numa loja de eletrônicos. Tinha muita coisa! De enlouquecer... principalmente artigos para máquinas fotográficas. Amanhã vou visitar mais templos e mais comércio. Domingo, o destino é Tóquio.

quarta-feira, 31 de outubro de 2012

Japão: primeiras impressões

Estou no Japão! Mais precisamente em Kyoto, antiga capital do país. A cidade é um amor, e o bairro histórico onde estou, Gion, parece saído de um filme. Tudo é muito limpo, muito arrumadinho, com ruelas minúsculas e um riozinho com chorões nas margens. Chegar aqui foi mais fácil do que eu imaginava. O voo de Bangkok foi super tranquilo. Depois que desci no Aeroporto de Narita peguei um trem até Tóquio (uma hora e meia de trem) e depois outro trem até Kyoto (três horas). Apesar de não falar nada de japonês e ver poucas instruções em inglês foi relativamente fácil pegar os trens. O único susto aconteceu logo no aeroporto: meu cartão do banco não funcionou nos caixas eletrônicos! Confesso que na hora me bateu um pavor, mas depois consegui usar o cartão de crédito para tirar dinheiro. 

Em Kyoto, o que não faltam são templos, santuários, palácios e prédios históricos para visitar. Ontem dei uma volta pelo parque Maruyama, onde estão o Yasaka Shrine e o templo budista Chion In. Hoje visitei o Castelo Nijo e o Palácio Imperial. Os prédios são muito legais, mas o mais interessante são os jardins e hoje a luz estava especialmente bela, como nas fotos abaixo, no Castelo Nijo.



Está sendo muito tranquilo me movimentar por aqui e hoje até andei de metrô sem muitos problemas, mas inglês só se vê em placas e indicações muito essenciais. Nos lugares que visitei (todos bastante turísticos), muitas informações só em japonês. A maioria dos turistas, aliás, parece ser de japoneses, tenho visto poucos ocidentais.  Nas ruas e lojas, todo mundo tenta falar comigo em japonês, mesmo eu sendo obviamente ocidental e deixando claro que não sei a língua. Eu sorrio e sigo. Até agora está funcionando. No hotel onde estou hospedada tem manual de instrução para usar o controle remoto da TV, que é um labirinto de símbolos japoneses. Aliás, na TV só tem canal em japonês, nenhum internacional...

O tempo aqui está ótimo, uns 18C durante o dia e 13C à noite. O ruim é que escurece pelas 17h. Ainda não fiz muitas compras e não vi nenhuma loja de eletrônicos por aqui, mas há boas roupas de inverno e muita bugiganga. 

Amanhã, o plano é ir até Nara, cidadezinha que fica aqui perto e também foi capital do país.

sábado, 27 de outubro de 2012

Bangkok, que cidade...

Estou encantada com Bangkok! Que cidade incrível. Não sabia bem o que me esperava por aqui e confesso que o Sudeste Asiático não me animava tanto, mas estou muito, muito surpresa. Penso que minha experiência paquistanesa, em especial a viagem a Lahore, mudou muito minha visão de mundo e do que apreciar em uma cidade. É claro que Bangkok tem um trânsito terrível (afinal, é uma metrópole de 14 milhões de habitantes) e o calor é massacrante, mas tirando isso é uma cidade vibrante, cheia de opções, com um povo muito simpático e comida fantástica. Come-se muuuuito bem por um ou dois dólares nos mais diversos restaurantes, ou em uma banquinha na rua. 

Estou no bairro de Sukhumvit e aqui é praticamente um shopping atrás do outro, com centenas de pessoas de um lado para outro, muito comércio de rua e um lindo trem aéreo que corta a cidade. A estrutura de tudo é muito impressionante, de deixar o Brasil no chinelo. 

Hoje de manhã fui no Chatuchak Market, um mercado gigantesco que funciona nos finais de semana. Achei que era um camelódromo no melhor estilo Feira do Paraguai, mas é muito melhor (minha irmã ia enlouquecer...). Encontra-se muita coisa de muito bom gosto, especialmente roupas, e preços ótimos. Ontem visitei os lugares mais turísticos de Bangkok: o Wat Pho, um conjunto de templos budistas, e o Grand Palace, que serviu de residência dos reis do Sião até 1925. É incrível a profusão de detalhes em cada construção. Impressionante. 

Aqui vão algumas fotos:





terça-feira, 23 de outubro de 2012

Rumo à Tailândia e ao Japão

Depois de quase cinco meses no Paquistão, amanhã vai começar a minha primeira viagem mais longa em terras asiáticas, cada vez mais em direção ao Oriente. Quem acompanha o blog sabe que estou indo para a Tailândia e depois para o Japão. No total, dezesseis dias entre Bangkok, Kyoto e Tóquio. Serão o sexto e o sétimo países que vou visitar em 2012: tudo começou na Inglaterra, depois veio Alemanha, Paquistão, Emirados Árabes Unidos e Sri Lanka. Nada mal, hein? Mas não para por aí! É bem provável que eu passe o final do ano em Moscou, debaixo de muita neve e quem sabe um pouco de vodka.

Vou mandando notícias aos poucos, mas para deixar vocês com água na boca, aqui vai uma fotinho do hotel em que vou ficar hospedada em Bangkok (os preços são ótimos e deixam minhas acomodações no Japão no chinelo):



sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Sobre porcos e meninas

A boa notícia dos últimos dias é que está confirmada a vinda do meu pai e da minha madrasta para o Paquistão em fevereiro. Antes disso, no final de janeiro, vamos passar 10 dias em Istambul (estou animadíssima para Istambul!). Conversando com eles, fiquei pensando sobre o que eu gostaria que eles me trouxessem. Uma coisa que eu nunca vi por aqui é meia-calça. Parece estranho, mas acho que faz sentido porque a roupa tradicional das mulheres aqui é composta por uma calça e uma bata, ninguém usa saia. Por incrível que pareça, outra coisa que sinto falta aqui é sal e açúcar de qualidade. Tanto o sal quanto o açúcar são muito grossos e não dissolvem direito. As comidas em geral são apimentadas, mas têm pouco sal. Falando em comida, nada faz mais falta que queijo de qualidade e porco (e acredito que a imensa maioria dos estrangeiros que reside aqui vai dizer a mesma coisa). Eu nunca pensei que fosse sentir tanta falta de carne de porco, mas esse artigo é proibido no país, assim como em outros países islâmicos. O porco é considerado um animal sujo. 

Faz uma falta incrível não ter linguiça, salame, presunto. Uma das poucas coisas que eu trouxe quando voltei de Berlim foi justamente salame e queijo. Aqui tem bons queijos de cabra, mas queijo amarelo não tem, só parmesão. Faz uma falta danada. Vocês não têm ideia da alegria do pessoal quando vamos jantar na casa de alguém que tem um bom queijo e algum produto feito de porco. Portanto, lembrem-se, se vierem ao Paquistão, tragam porco! Precisamos urgentemente de um traficante de porco (ouvi dizer que isso existe no Irã. Sério.). O engraçado é que no Brasil eu não comia muito presunto ou bacon, pois sempre preferi peito de peru. Mas, por alguma razão misteriosa, os produtos feitos com peru são horrorosos por aqui. Pode até ser que sejam saborosos, mas a cara não é nada animadora e por isso até agora achei melhor não experimentar.

Eu estava pensando sobre essas limitações na terça-feira de noite, quando aconteceu algo terrível não muito longe de Islamabade. Uma menina de 14 anos foi baleada por terroristas do Talibã paquistanês, que, orgulhosos da ação, assumiram a responsabilidade do ato. O motivo? A menina é conhecida nacionalmente por ter defendido nos últimos anos o acesso das mulheres à educação por meio de um blog. Os terroristas seguiram a van onde ela estava, perguntaram por ela e atiraram à queima-roupa. Não sei como ela sobreviveu, mas felizmente não corre mais risco de morte, embora siga internada no hospital. Os terroristas ainda disseram que atacarão de novo caso ela sobreviva. Esses grupos dominam o norte do Paquistão, as chamadas zonas tribais, onde o governo do país pouco ou nada tem de soberania. A justiça e o cotidiano são definidos nas jirgas, assembleias de anciãos. Não é muito difícil imaginar que são grupos extremamente conservadores.

Não é fácil viver num país onde meninas de 14 anos são baleadas por quererem ir ao colégio, mas como ainda tenho muito tempo pela frente por aqui... é melhor pensar que limitação mesmo é não ter carne de porco para comer no jantar.

terça-feira, 25 de setembro de 2012

Vida quase normal

Depois do final de semana turbulento, as coisas estão voltando ao normal aqui no Paquistão. O saldo dos protestos contra o tal filme foram 26 mortos, oito cinemas queimados, muitas outras propriedades depredadas, milhões de rúpias paquistanesas jogadas no lixo. Pra coroar o movimento, uma declaração um tanto quanto equivocada do Ministro das Ferrovias, que ofereceu cem mil dólares para quem matasse o diretor do filme controverso...

Polêmicas à parte, a vida está voltando a sua tranquilidade normal, pelo menos em Islamabade, que é a cidade mais segura do país. Aqui, sigo tomando muitos cuidados, mas estou voltando aos restaurantes e hoje dei uma volta no Koshar Market, que é o mercado mais frequentado da cidade pela comunidade internacional. A cidade é um pouco como Brasília, com zonas residênciais e áreas de comércio. O Koshar é  o mercado mais bonitinho, com cafés, restaurantes e mercadinhos que vendem até panetone Banduco e bolacha Negresco.

Outra coisa boa é que a temperatura está muito agradável e pararam as chuvas (a casa agradece, cada chuvarada era uma confusão de água entrando pelas paredes...). Estou conseguindo aproveitar muito mais a casa. Esses dias tomei chimarrão com amigos no terraço. E agora estou aproveitando a vista do escritório e os sons dos passarinhos. Viu, nem tudo é protesto no Paquistão.


sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Notícias do front... de Islamabade

Primeiro, estou bem!

Hoje vocês provavelmente vão passar o dia ouvindo e lendo sobre os protestos no Paquistão. O dia foi decretado feriado pelo governo paquistanês. Está tudo fechado: comércio, restaurantes, escolas, embaixadas, prédios públicos, etc. Desde a madrugada os serviços de telefone foram cortados, mas a internet está funcionando bem. Estou acompanhando os acontecimentos pela TV e pelos sites. Todas as entradas e saídas de Islamabade foram fechadas e, por isso, os principais prostestos estão acontecendo ao redor da cidade, nas proximidades de Rawalpindi, uma grande cidade que fica ao lado da capital.

Passei o dia em casa (e continuarei o resto do dia em casa), e não vi nada de protestos ou demonstrações. Está tudo muito tranquilo aqui na minha rua. Felizmente, a minha casa e o meu trabalho estão localizados longe de onde ficam os prédios do governo e as embaixadas (red zone e diplomatic enclave). Não ouvi sirenes de polícia, nem carros, nem nada. Só o que me pareceu ser um helicóptero de tempos em tempos e uma chamada para as tradicionais rezas (isso eu ouço todos os dias, várias vezes ao dia). Há relatos de choques entre a polícia e os manifestantes nas próximidades do centro da cidade, em direção ao enclave diplomático (a Embaixada do Brasil não está localizada lá), por isso, todo cuidado é pouco.

Os protestos estão acontecendo em todas as grandes cidades da Paquistão: Karachi, Lahore, Peshawar, Rawalpindi, etc. Pela TV, embora não entenda nada dos notíciários em Urdu, vejo imagens de gente nas ruas, pneus queimados, lojas e placas de trânsito sendo depredadas, bandeiras americanas queimadas e, o que me choca muito, muitas crianças participando das demonstrações. Se a intenção do governo era decretar um feriado para protestos pacíficos, isso com certeza não está acontecendo. 

É muito estranha essa sensação de estar no meio de um acontecimento dessa magnitude, especialmente sendo jornalista de formação e gostar de estar atualizada sobre os principais acontecimentos do mundo. É  ainda mais estranha pelo fato de que onde estou as coisas estão tão tranquilas, parece outro mundo. Mas está tudo bem, então ótimo.

Mantenho vocês atualizados!


quarta-feira, 19 de setembro de 2012

A viagem já começa na preparação


Enquanto o youtube segue bloqueado por aqui, o governo decreta feriado nacional para protestos na sexta-feira e o conselho que recebi no trabalho é "fique em casa", estou planejando minha viagem ao Japão e à Tailândia (de casa, claro...).

Serão cinco dias em Bangkok, cinco em Kyoto e cinco em Tóquio. Viajo no final de outubro e início de novembro. Acho que o outono, tanto pelo aspecto climático (tempo seco) quanto pela beleza das paisagens, será especialmente perfeito para visitar o Japão.

Não sei exatamente qual vai ser a programação na Tailândia. Como vou me encontrar com cinco amigos, acho que a ideia é aproveitar tudo o que uma cidade grande como Bangkok pode oferecer e tudo o que o Paquistão não pode oferecer no momento.

No Japão, ao contrário, a ideia é chegar com tudo muito bem planejado (e escrito, vou levar tudo impresso, com mapa, foto e o escambau em caso de necessidade). Estou me preparando psicologicamente para me perder algumas vezes no centro de Tóquio. Vai ser uma aventura e imagino que vou encontrar algumas dificuldades já que estarei, por 10 dias, completamente sozinha em um país muito diferente, sem falar a língua e sem me dar bem com a comida local. Estou tendo umas aulinhas para usar o hashi (os famosos pauzinhos), já que nem isso eu sei fazer. Estou pensando em andar com talheres na bolsa em caso de necessidade. Ou pelo menos um garfo, para não levantar suspeitas com uma faca na bolsa...

Vou chegar no aeroporto de Narita, em Tóquio, mas vou direto para Kyoto (pretendo comprar um passe de trem com antecedência). Lá vou ficar hospedada no tradicional bairro das geishas, o Gion. Kyoto foi a capital japonesa por cerca de mil anos (até 1868) e por isso a cidade tem muitas atrações, em especial templos e castelos. Minha ideia era ficar em um hotel tradicional japonês, mas não encontrei boas opções e acabei reservando um hotel com cara ocidental mesmo.

Bairro de Gion, Kyoto. Fonte:  http://pbase.com/yunee/gion_japan


De Kyoto, pretendo fazer viagens de um dia para Nara (que também já foi capital do Japão) e para o castelo Himeji, da foto abaixo.

Fonte:  http://www.pbase.com/marxz/image/87132758

Tóquio ainda é um mistério. O que eu sei é que quero aproveitar muito para visitar museus, fazer compras e visitar parques. Um dia será dedicado a Hakone, uma estação de águas termais nos pés do Monte Fuji e ao redor do Lago Ashi. Provavelmente já vou sair com esse passeio comprado daqui.

Fonte:  http://www.pbase.com/bookster/image/70727786

E aí, o que acharam do (esboço de) roteiro? Aceito sugestões de quem já conhece algum desses lugares!

segunda-feira, 10 de setembro de 2012

O tempo passa, o tempo voa...

Quais são as medidas do tempo?

Três meses e alguns dias que estou no Paquistão. Parece que faz anos. Hoje faz um mês voei para Berlim. Duas semanas que voltei do Sri Lanka. Em menos de dois meses, estarei no Japão. Brasil, só em junho do ano que vem. Já 45 dias de atraso da encomenda que vai me trazer a minha nova câmera fotográfica (Nikon, já paga...).

Por que o tempo passa tão rápido quando estamos longe de casa? Mas agora a casa é aqui, Islamabade. E mesmo assim, tão rápido, tanta gente que eu conheci nesses três meses. Tanta gente especial e interessante. Não tem ninguém chato por aqui. Tantas histórias, tantas aventuras, tantos restaurantes bizarros, tantas comidas apimentadas. Três países em três meses, além do Paquistão. Mais dois (Tailândia e Japão) em novembro. Ainda não sei o que o final do ano me reserva. Sugestões? Depois Turquia em fevereiro. Estou tagarelando sem rumo, é domingo de noite...

News alert: O tempo anda cada vez melhor em Islamabade. Já dá pra dormir sem ar-condicionado. Não vejo a hora que seja inverno. Vai ser meu primeiro Natal com frio. Daqui há pouco já é 2013...

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Mais umas fotinhos do Sri Lanka, para não desperdiçar o post. 

Um dos pontos altos da viagem foram os hotéis: Kandalama Heritance, em Dambulla, e Galle Fort Hotel, em Galle. Recomendo muito.

O Kandalama. Um quilômetro de um lado a outro, 152 quartos. Totalmente integrado à natureza.

Vista do Kandalama, dá até pra ver um pouquinho da piscina

O Galle Fort Hotel à noite

E de dia. O meu quarto era o último, bem à direita da foto, bem na frente da piscina...


quinta-feira, 6 de setembro de 2012

Mesmo longe, dá-lhe Grêmio

Mesmo longe, quase que literalmente do outro lado do mundo, continuo acompanhando o Grêmio. Deu uma saudade ontem do Olímpico lotado! Aqui tenho acompanhado sempre as notícias pelo clicRBS, pelo site do Correio do Povo e pelos emails que o pai me manda. Quando o horário é razoável (no final de semana principalmente), ouço a Rádio Gaúcha no celular, com aplicativo que baixei para ouvir rádios do mundo. Foi assim que acompanhei o último Gre-Nal, já que o streaming do jogo ao vivo estava com péssima qualidade. Acho que é uma maneira de me sentir mais próxima de Porto Alegre e da minha família. Eu tenho saudade até daqueles jogos chatinhos com 10 mil pessoas no estádio.

Continuo pagando, religiosamente, a mensalidade de sócia e já fiz a minha transferência para a Arena. É uma pena que não poderei me despedir adequadamente do Olímpico, lugar do qual guardo lembranças incríveis, especialmente dos momentos compartilhados com o meu pai, com a minha irmã e diversos amigos. Quem não lembra do gol do Aílton aos 40 do segundo tempo, naquele 15 de dezembro de 1996? Eu e o pai estávamos bem na linha da grande de área de ataque da Portuguesa. O gol foi na nossa frente e então mais cinco minutos de emoção pura, estádio e estado incontrolável... Só quem já assistiu jogo de futebol com estádio lotado sabe a emoção indescritível que é.

Aqui não tem nada parecido, só as lembranças. E a minha bandeirinha do Grêmio na mesa do escritório. 

Faz falta.



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In other news...

Finalmente nessa semana comecei a montar a minha sala de estar. Comprei dois sofás lindos, que ficaram muito bem na sala enorme da minha casa. O objetivo é estar com a casa toda montada para receber o pai e a Cris em fevereiro, quando eles vierem me visitar.



terça-feira, 4 de setembro de 2012

Sri Lanka III - Animais

Uma das coisas que mais me chamou a atenção no Sri Lanka foi a quantidade diferente de animais que vi em quase todos os ambientes. Era só circular um pouco e já dava para ver porcos-espinhos, lagartos enormes, camaleões, veados, elefantes e, claro, muitos macacos. Incrível como esses animais, especialmente  os macacos, estavam absolutamente integrados no dia-a-dia das comunidades. Também uma quantidade enorme de cachorros, o que não é comum aqui no Paquistão, pelo contrário. É muito difícil ver cães por aqui, já que esses animais não são bem vistos na cultura islâmica.

Aqui vai uma seleção de fotos de alguns dos animais que vi por lá:

Essa moça estava simplesmente passeando com dois porco-espinhos na coleira...

Consegui chegar bem perto dos elefantes, que eram bem fofos e menores do que os elefantes que eu vi na África do Sul

Macacos estão simplesmente por todos os lados, prontos para abocanhar um pedaço de comida a qualquer momento

Camaleão na entrada de Sigiriya (aquele lugar onde tem uma rocha enorme)

Cobras dançantes...

Um lagarto gigante devorando o almoço



terça-feira, 28 de agosto de 2012

Era uma vez... no Paquistão

Olá povo!

Já falei várias vezes aqui no blog sobre a questão da repressão com assuntos envolvendo o corpo (especialmente neste post) no Paquistão, sobre como devemos tapar ombros e pernas, como é difícil andar na rua, essas coisas. Nos últimos meses, o jornal Dawn, um dos mais importantes do país, tem feito uma série de reportagens com fotos antigas do Paquistão. O material é ao mesmo tempo maravilhoso e deprimente e mostra como o país passou por uma radical transformação nas últimas décadas. Vale a pena dar uma olhada.

Also Pakistan

Also Pakistan II

Also Pakistan III

Also Pakistan IV

Fiz aqui uma pequena seleção de fotos:

Menina mostrando os ombros e as pernas em uma moto (1969)... Nunca vi nem verei algo parecido 


Che Guevara em Karachi in 1965


Meninas paquistanesas participando de uma competição de natação (1970). Hoje em dia, imagino que uma cena dessas poderia dar até cadeia


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Ah, quando eu estive em junho em Lahore, mais especificamente na Food Street, eu e meus amigos brasileiros fomos entrevistados por uma apresentadora de TV, na rua, durante um show. A moça ficou tão entusiasmada quando viu que éramos do Brasil que pediu que cantássemos uma música brasileira... Pois é, cantamos Aquarela do Brasil e essa reportagem foi ao ar na TV paquistanesa na quinta-feira passada. Várias pessoas no trabalho me comentaram que me viram na TV! Eu estava no Sri Lanka e não pude ver, mas estou tentando achar o vídeo no youtube para postar aqui. 

Nós, entrevistados em Lahore