quarta-feira, 26 de dezembro de 2012

Rumo à Rússia

Estou de malas prontas para a Rússia, onde vou visitar Moscou e São Petersburgo. A boa notícia é que a temperatura subiu nos últimos dias: passou de 22 negativos para zero. Praticamente verão para os russos!

Com essa viagem, vou fechar com chave de ouro um ano incrível, em que aceitei essa missão complexa que é viver no Paquistão. Tenho aprendido a cada dia, não só no trabalho, mas na rotina da casa, nos restaurantes, nos espaços mais simples. O Natal, por exemplo, me mostrou que, embora a violência sectária contra as minorias religiosas (xiitas e cristãos em especial) seja uma dura realidade do país, com atentados regulares contra essas populações, os muçulmanos com quem convivo diariamente não apenas respeitam a data como mostraram-se muito interessados na comemoração. Ganhei presente até dos guardinhas aqui de casa, com um bilhetinho de "Merry Christmas".

Uma coisa que aprendi também nesses sete meses aqui é não subestimar as diferanças culturais. O fato é que as diferenças entre o Paquistão (e outros países asiáticos) e o mundo ocidental são brutais, são importantes e não são apenas "estereótipos criados pela imprensa ocidental". Aqui há uma lógica totalmente diferente de compreender o mundo, em especial no tocante à família, ao papel dos indivíduos dentro da família e à questão da honra. A "família extendida" (ou seja, não só pais e irmãos, mas primos, tios, avós, sogros, etc) é o núcleo da sociedade paquistanesa. É por isso, por exemplo, que as casas aqui em Islamabade e em outras partes do país são tão gigantescas, com cinco ou seis quartos, quatro andares, mais de uma cozinha. As famílias vivem todas juntas: a mulher ao se casar passará a morar com a família do marido, com sogros e cunhados. É raríssimo que um filho (uma filha, então, nem se fala) passe a morar sozinho. Não tenho um número certo, mas acredito que cerca de 90% dos casamentos são arranjados e boa parte desses casamento envolve primos de primeiro grau, fato que é encarado com normalidade pelos paquistaneses.

Recentemente terminei a leitura de "Pakistan - A Hard Country", de autoria de Anatol Lieven, que traça um panorama da história do Paquistão e dos povos que aqui estão. Recomendo muito e acredito que seja possível achar com facilidade esse livro no Brasil. Para mim, foi muito interessante aprofundar as minhas percepções e começar a entender melhor como o país funciona. Comecei a compreender porque, por exemplo, a corrupção é tão disseminada por aqui: como a família é o centro da sociedade, é mais importante defender a honra dos familiares do que obedecer a leis, especialmente se essas leis tenham sido importadas a partir do colonialismo britânico, sem levar em consideração as tradições locais. Assim, nada mais natural do que mentir para as autoridades policiais para salvar a pele do irmão ou distribuir cargos entre os parentes quando se chega ao topo do poder. Ou ainda recorrer às jirgas (assembleias de anciãos) para definir uma disputa territorial que já ameaça a vida da família. As decisões são rápidas e aceitas pelas duas partes envolvidas, mas podem levar a práticas odiosas, como aquela relativamente comum de entregar uma menina da família para outra família para reparar um crime cometido por um dos filhos homens.

Para Lieven, o Paquistão não é um Estado falido como aqueles da Somália ou do Congo (e quem visita Islamabade certamente concordará com essa conclusão). Paradoxalmente, no entanto, o conservadorismo da população impede a modernização do país ao mesmo tempo em que serve de obstáculo para que haja uma revolução radical como a sonhada pelo Talibã paquistanês, por exemplo. As estruturas que geram pobreza ao mesmo tempo impedem que boa parte da população seja ainda mais pobre e miserável. A prática da caridade é um dos pilares do Islamismo, e isso é, de fato, seguido pela maioria da população.

Enfim, um pouquinho de Paquistão para fechar o ano! E agora rumo à terra dos Czares e bolcheviques!



segunda-feira, 24 de dezembro de 2012

Taxila e Feliz Natal

Fazia tempo que eu não atualizava o blog, mas não tinha acontecido nada de muito interessante por aqui. Ontem finalmente eu fui até Taxila, que fica a uns 45 minutos de Islamabade e é um dos sítios arqueólogicos mais importantes do Paquistão. Lá estão vestígios da civilização Gandhara, que há mais de dois mil anos habitou o Vale de Peshawar, entre os rios Cabul e Indo, regiões onde hoje estão as cidades de Peshawar, Islamabade e Rawalpindi. Taxila era um centro budista de grande importância até o século II e é considerada Patrimônio da Humanidade pela Unesco desde 1980.

Foi uma experiência muito interessante principalmente pelo bom estado do Museu de Taxila, que contém muitas relíquias budistas, e pelas ruínas das antigas citadelas. Desde a fundação do Paquistão como República Islâmica, em 1956, o passado budista das civilizações que habitaram o Vale do Rio Indo (que, ao contrário do que se possa imaginar, passa pelo coração do território paquistanês, e não pela Índia atual, até desaguar no Oceano Índico) vem sendo sistematicamente deixado de lado na comparação com a cultura islâmica do Império Mughal, que dominou a região que hoje é o Paquistão, a Índia e Bangladesh até a chegada dos britânicos. O Museu de Lahore, por exemplo, que tem uma colegação impressionante de relíquias budistas (incluindo uma famosa estátua do Buda em jejum) estava em estado deprimente quando visitei a cidade em julho deste ano. Apesar da coleção incrível, o museu estava simplesmente jogado às moscas, e esta ainda é  uma das experiências mais tristes que tive desde que cheguei ao Paquistão.

Mas, enfim, Taxila:






Aproveito para desejar um Feliz Natal a todos os leitores do blog!

Volto depois do Natal para contar um pouco como será a minha viagem de Ano Novo a Moscou, que, neste exato momento, registra agradáveis -21C...